Sunday Paper, Steven LanvinPara os nossos filhos:
O relógio de parede dá-te os segundos, os minutos e as horas.
Deste modo, ritmado e lento, vais contando os dias e as longas noites brancas
em que nada mais te é ofertado a não ser o imenso tempo da espera.
Diz-te o jornal que é domingo e que há gente que se veste de azul
e passeia no parque depois da missa para logo depois ir almoçar em família.
Também te diz o jornal que o mundo está cheio de mulheres bonitas e pulposas,
macias como os pêssegos que a vizinha te trouxe para a merenda.
E diz-te ainda o jornal que há carros mais velozes que o vento,
barcos que flutuam leves sobre águas turquezas , areias quentes,
e ainda que há certos relógios que te custariam dois anos de salário,
se tivesses salário,
se precisasses de saber a que horas andas.
Mas o que te sobra na vida são os segundos, os minutos e as horas
que o teu relógio de parede já te oferece de graça.
E diz-te ainda o jornal que o mundo está em crise,
que a sustentabilidade do planeta corre graves riscos,
que é tudo por culpa do sistema, da macroeconomia,
da microeconomia, do consumismo, do sobrendividamento,
da densidade demográfica, da falta de activos, do aumento da esperança de vida...
Mas que esperança, fonix? ,pensas tu, ... que vida?
Dizem que pertences à geração rasca.
Dizem...
No jornal.
E o relógio vai-te dando, de graça,
tic tic
tic tac
tic tic
tic tac
as horas de espera
tic tic
tic tac
em que tu desesperas.
Porque há tipos, que se fossem relógios, nem as horas davam !