sábado, setembro 12, 2009

Sabedoria



Deveria ser-nos dada a possibilidade de nascermos de novo ou de voltarmos atrás no tempo, sempre que nos apetecesse.

No dia do nosso aniversário, por exemplo, reuniríamos familiares e amigos e diríamos:

- Hoje faço de novo 20 anos!

E de imediato os ponteiros dos relógios rodariam em sentido contrário a uma velocidade vertiginosa.

Á medida que o tempo recuasse desapareceriam a pouco e pouco os cabelos brancos, as rugas, as deformações das articulações, a hipertensão, a diabetes, o cancro da próstata, a doença de Alzheimer e todas as demais maleitas que nos possam afligir com a idade.

A pele tornar-se-ia mais clara, mais brilhante, mais flexível e os nossos pulmões respirariam com maior facilidade.

De olhar brilhante, sorriríamos com todos os nossos dentes imaculadamente brancos e o nosso hálito seria fresco e perfumado como a hortelã-pimenta.

Apenas guardaríamos a sabedoria adquirida ao longo dos anos e todas as nossas lições de vida, que são muitas e importantes demais para serem esquecidas, mas que de pouco nos valem quando o nosso tempo de existência encurta a cada ano.

Quando se chega à meia-idade, de quase nada nos serve já saber-se muita coisa, porque a vida transformou-se em rotina e qualquer um de nós pode adivinhar de véspera o que nos acontecerá no dia seguinte,como se todos fossemos bruxos ou astrólogos ou numerólogos ou cartomantes ou tarólogos ou videntes.

É evidente que as lições de vida seriam mais importantes se o tempo recuasse e nos desse uma segunda, terceira, quarta ou mesmo quinta oportunidade.

Gostaria que o tempo voltasse para trás, como cantava o Tony de Matos quando eu era menina , ele que por acaso era o cantor galã favorito da minha mãe.

Era ele que também dizia que “o destino marca a hora pela vida fora, quem havia de dizer?”.

A minha mãe nunca me disse que o tempo voava.

Nem nunca me falou de escolhas, porque também a mãe dela se esquecera de a avisar.

Ensinou-me tudo o que uma mãe ensina a uma filha e tudo o que ela deve levar no
enxoval menos a questão da idade e do tempo.

Mas eu deveria ter dado ouvidos ao que o seu cantor preferido cantava,pois logo ficaria a saber que o tempo não volta para trás nem nos dá aquilo que perdemos.

E acrescento que se o destino marca a hora, há destinos que nunca passam de desencontros e que o meu raramente me marcou a hora certa no sítio certo com a pessoa certa e que, mesmo quando isso esteve prestes a acontecer, houve sempre algum quiproquó pelo meio para estragar a festa.

Assim, se pudesse, guardaria, apesar de tudo as lições de vida para não voltar a ficar presa na armadilha do tempo. Mas adiante…

Se voltássemos a ter 20 anos recordaríamos todos as más escolhas ou escolhas erradas ou ainda as escolhas que não fomos nós a escolher porque fomos débeis
ou medrosos ou inseguros e deixámos que fossem outros a escolher por nós.

Recordaríamos as pessoas que amámos enquanto filhos, pais, padrinhos, afilhados, netos, tios, primos, vizinhos, amigos, namorados, amantes ou esposos.
Recordaríamos as pessoas que não soubemos amar ou que amámos mal
ou que amámos pouco ou até demais.

Recordaríamos os momentos em que nos apeteceu dizer “amo-te” ou “quero-te”
mas não dissemos “amo-te” ou “quero-te” por pudor, por medo, por estupidez,
por insegurança ou por outro motivo qualquer decerto menos importante que o amor.

Se renascêssemos com 20 anos com a sabedoria dos 50, seríamos talvez mais felizes.

Ou não.Porque aos 50 anos, ainda se sabe tão pouco da vida.

16 comentários:

Paula Raposo disse...

Gostei de te ler.
Uma reflexão. Aos 55 ainda nada se sabe da vida...mas ainda hei-de saber. Beijos.

Clotilde S. disse...

Paula,

Eu caminho para os 53 e tento, tento, saber alguma coisinha.

Beijos

Clo

KrystalDiVerso disse...

Ou talvez não!... A vida abraça prazeres Admiráveis entre seu princípio e fim!... Há, entre esses dois pontes, uma distância demasiado curta, ainda que em extremos de concepção!... É nesse abraço que "tudo" nos é permitido alcançar se os factores de alinhamento estiverem dispostos na direcção correcta!... Nossas escolhas dependem de momentos, da conjugação de factores, muitas vezes alheios ao verdadeiro sentido da felicidade tal como deveria ser interpretada; apontamo-nos para o conforto da materialização imediata, buscamos o bem estar de nossa ostentação e adensamo-nos na certeza de que seremos felizes para sempre. Ignoramos, para além do fim, o aborrecimento, a traição, os atritos que começarão a emperrar a engrenagem. Depois, de repente, reparamos nos nossos filhos, nos nossos netos e descobrimos algo que sempre esteve bem dentro de nós: a insatisfação, aquela sensação de que desperdiçamos grande parte de nossa vida a ser bonzinhos ou malvados, lembramos as outras opções, agora mais vantajosas e detentoras de charme, outrora impossíveis de adivinhar... de um momento para outro, num curtíssimo espaço de 50 tenros aninhos, todas as opções que não tomamos e que foram substituidas pela nossa posição actual e consequências do que aconteceu!...
Sim!... Seria Admirável reunir a família e retirar a corda ao relógio, inverter o sentido dos ponteiro e, entre uma tontura e um enjôo próprio da viagem no tempo, fazer novamente 20 anos!... Admirável, sem dúvida!... Nosso filho de 21 anos, seria mais novo do que o Pai, do que a Mãe... ou voltaria a nascer no próximo ano com todos os riscos inerentes à ocasião!... E sería-mos felizes, muito felizes. Mas não para sempre, porque tudo se repetiria!
A Sabedoria ao dispor das más ou boas escolhas, ao serviço de nossos arrependimentos, falhanços, e lágrimas desperdiçadas no inconformismo de coisa nenhuma!... E tudo se repetiria até à claustrofobia da falta de espaço, até à desilusão de um olhar para trás e muito maior desilusão do olhar que teme o que está bem à frente de nossos olhos; a aproximação do FIM!... Tudo se resume, afinal, à SAUDADE, em vida, de tudo que nos rodeia, de tudo que está em nós, de todos os sabores, cheiros e vozes ou chilreados de livres passaritos que voam por aí!... Nem paramos para pensar na possibilidade de esses passaritos morrerem, no entanto, até esse pensamento ausente nos remete para o sofrimento da Saudade... como se já tívessemos perecido, como se estivésse-mos bem enterrados a uma profundidade segura para a sanidade pública; como se os mortos pensassem e sofressem de Saudade!...
Os erros não escolhem idade; Com saúde, todos os erros são cometidos, ora por uns, ora por outros. Só os mortos não erram, só eles não se arrependem de nada, só eles deixaram de ser alguém, deixando em nós a recordação de uma imagem, de atitudes, de exemplos... de sabedoria ADMIRÁVEL!
Celebremos a frase: "E a vida continua..."


Bom fim de semana

Escolha entre... beijos e abraços

Clotilde S. disse...

Krystal,

Depois de um comentário destes posso dizer que escolho tudo e que viva a vida!

Beijo,

Clo

angela disse...

Nunca se sabe o bastante da vida, e a vida é generosa nas oportunidades que nos fornece, só precisamos prestar atenção e não procurar o sonho na vida, que coisas boas virão para ser vividas.
Gostei do texto me colocou a pensar..
beijos

João Paulo Proença disse...

Clotilde:

O teu texto é profundíssimo. Embora não concorde com pequenas coisas, confesso que dá que pensar e que aptece lê-lo, relê-lo e saboreá-lo vezes sem conta.
A cada leitura o pensamento voa e voa

Obrigado

Beijo

João

Licínia Quitério disse...

Celebremos os 20 e todas as décadas que a seguir nos caibam. A dor ou a alegria não atentam no calendário. Aparecem quando não esperamos. Sempre.

Boas reflexões.
Um beijinho.

Licínia

poetaeusou . . . disse...

*
amiga,
,
gostei de te ler,
texto profundo, meditativo,
,
recordaste Tony de Matos,
com quem privei . . .
grato, fico,
,
O destino marca a hora
Pela vida fora
Que havemos de fazer
O que rege a sorte agora
Foi escrito outrora
Logo ao nascer . . .
in-tony
,
conchinhas luzentes, deixo,
,
*

O Profeta disse...

Troquei as voltas a um Golfinho feliz
Afagei a cria de uma Baleia azul
Confundi uma nuvem com ilha encantada
Perdi-me na rota entre o Norte e o Sul

Aprisionei o olhar de uma gaivota
Enchi a alma com penas de imensa leveza
Enchi o coração de doce maresia
Adormeci nos braços da incerteza

Vem viajar comigo no meu barco de papel


Bom domingo

Doce beijo

MARIPA disse...

Seria bom,sim...sem as mazelas e desgostos com que a vida nos vai presenteando ao longo do caminho.

O meu caminho já vai longo...Não sei se gostaria de voltar atrás no tempo.

Se voltasse, cheia de sabedoria, fazia tanta coisa de outro jeito!

Beijo,Clo.E o meu carinho.

Clotilde S. disse...

Angela,

Fico grata. As tuas palavras são mais uma achega às minhas ideias.

Beijinhos grandes

Clotilde S. disse...

João P.

Ainda bem que o meu texto te fez pensar. É sinal de que cumpre em ti o seu destino. Embora não concordes com tudo,o que é saudável e é o que se espera num espaço aberto como este da blogosfera.

Aprecio a tua sinceridade e fico sempre feliz com as tuas visitas.

Beijo grande de amizade,

Clo

Clotilde S. disse...

Lícinia,

Também tu tens razão, a idade não conta, mas aqui a ideia foi de termos a possibilidade de voltarmos atrás com a maturidade e a experiência de hoje. Pura utopia !

Beijinhos, amiga. Gostei de te ver por aqui.

Clo

Clotilde S. disse...

Poeta,

Se a minha mãe soubesse que privaste com o Tony de Matos! :)))
Ela agora está virada para o Tony Carreira. Aos 77 anos é uma romântica, embora tente disfarçar.

Beijinhos e conchinhas lá da ilha para ti, meu amigo!

Clo

Clotilde S. disse...

Profeta,

Obrigada por deixares este pedaço da tua poesia. Assim que puder, vou ao teu blog ler o restante.

Bjo

Clo

Clotilde S. disse...

Maripa,

Contas feitas, o balanço da vida é quase sempre positivo. Mas fica sempre o velho SE...

Obrigada pelo carinho, amiga!

Beijinhos

Clo