sexta-feira, abril 24, 2009

Cravos de Abril

Aos homens e mulheres que deram a vida para que eu hoje pudesse publicar este texto:


Quando eu nasci, Abril era apenas o tal mês de águas mil
e os cravos, os cravos eram simples flores de jardim.

Desde cedo me ensinaram, que certas conversas eram proibidas e que uma coisa chamada Pide levava homens bons para Peniche onde homens maus lhes batiam muito. Para mim, Peniche era a praia e a casa dos meus tios, os beijinhos lambuzados do meu primo Diamantino e todos aqueles barcos bonitos no cais e no mar. Não entendia como se podia fazer mal a alguém num sítio assim.

Mas aos cinco anos, quando os meus pais, uns tios , dois primos e eu íamos emigrar para França, fomos detidos em Elvas por denúncia. Aprendi depressa o que era essa tal coisa da Pide. Lembro-me que os homens ficaram presos numa cela imunda e que as mulheres e as crianças ficaram sob vigilância num quarto de pensão. Lembro-me das mães chorarem e de nós termos fome.Passados dois ou três dias fomos obrigados a regressar à terra.

Mais tarde, sempre conseguimos ir para França, depois para o Canadá e de lá regressámos.Nessa altura eu já entendia muito mais das coisas, mas não compreendia a guerra colonial. As mortes. As mutilações. O desespero de todas as mães que tinham filhos na idade da tropa. Não compreendia porque haviam livros proibidos. Não compreendia porque Peniche continuava a receber homens e a devolvê-los doentes ou em caixões.

Na manhã do dia 25 de Abril de 1974 estava a preparar-me para ir para o Liceu, quando a rádio cantou "Grandola Vila Morena".

Quando os meus filhos nasceram já Abril era o mês de um Portugal Novo e os cravos ,as flores da LIBERDADE ! De Peniche, conhecem a história, mas as suas memórias de lá são de férias coloridas como as velas dos barcos.

25 de Abril, Sempre!
Liberdade, Sempre!


Poema publicado neste blog em Abril de 2006:


É para ti, meu filho,que hoje canto !
Canto por já não teres de forrar livros a papel pardo.
Canto por não teres de esconder os teus poemas.
Canto por não teres sido obrigado a matar.
Canto por não teres sido preso.
Canto por não teres sido torturado.
Canto por não teres sido obrigado a fugir.
Canto por não teres sido morto.
São para ti, meu filho,
os cravos do poeta,
os cravos de Abril !
Porque estás aqui,
vivo e feliz :
LIVRE na tua escrita!


Escrevo em memória da dor e das lágrimas de todas as mães, que, ao contrário de mim, não tiveram a felicidade de dar á luz depois do 25 de Abril.


10 comentários:

Maria disse...

Deixaste-me completamente sem palavras.
Eu que esperava chorar só mais tarde, à meia noite, quando estiver na rua a ouvir a Grândola, comecei agora...

Abraço-te, forte

Unknown disse...

Clo

Podia ficar só por um abraço.
Mas não posso.
O que é a liberdade!!!
Se não fosse a liberdade, como falarias assim?
Se não fosse a liberdade, como escreverias o poema que escreveste?
Se não tiessemos visto, sentido, toda a opressão, como poderíamos dizer as palaras que dizemos?
Sinto como tu.
Por isso, esta noite, tive necessidade de, mais do que pôr música, lembrar.
É essencial dar o nosso testemunho.
Obrigado.
Um abraço.

Paula Raposo disse...

Perfeitamente soberbo o teu post! Faço minhas as tuas palavras...muitos beijos.

Anónimo disse...

Imagino o sofrimento que tenhas passado. Tudo passa mas as lembranças ficam. Talvez por isso é que tenhas o olhar tão doce: sofreste porém venceste! Mas que bom que não tenhas passado pela dor de perder um filho; não imagino sofrimento mais atroz que esse. Deus guarde nossos filhos.
Deus console tantas mães inconsoláveis. Às vezes tbm pode-se perder os filhos não pela morte física, mas pelos vícios, marginalidade, etc. Contudo confiamos em Nosso Senhor e Sua Santa Mãezinha, ela que bem conhece essa dor. Beijo.

João Paulo Proença disse...

Clotilde:

Sem palavras

Obrigado pelo testemunho. É que qualquer dia ainda aprecerá gente a dizer que a Pide não existiu...
É bom que se passem a escrito os testemunhos
Beijo

João P.

Oris disse...

Neste momento é difícil dizer algo. Deixaste-me sem palavras...

Muito bonito Clotilde. Apesar da angústia vivida ficou o teu testemunho...

Liberdade, sempre...

Beijitos

poetaeusou . . . disse...

*
que belo post, Clotilde,
tocou-me amiga,
,
nas paredes da memória
lanço este meu grito
das vidas que eu vivi
nas paredes da memória
desenhei a minha revolta
nas tramas que detestei
nas paredes da memória
vivi o dia esperado
ouvi o eco do cravo
nos poemas que inventei
e nos . . . que rescreverei
,
amiga vê o agora nosso
Museu de Peniche, no meu
poste de 25 de Abril de 2008,
,
Conchinhas Vermelhas, envio,
,

Maria P. disse...

Que emoção, também eu nasci já Abril era mês de Cravos, mas na memória as histórias da família, que passou essa noite num Alentejo em "fogo". Como eu gosto de "ouvir" assim, pessoas como tu.
Obrigada.

Beijinho Clo, e um cravo no decote:)

Clotilde S. disse...

Meus amigos,

Esta é uma história entre muitas. Muitas são as histórias de Abril e muitas são as histórias da minha vida. Em comum, Abril e eu, temos a mudança como expoente comum.

Se valeu a pena Abril de 74?
Sem dúvida!
Mas nada está concluído.Em História, 35 anos, são um ponto minúsculo, quase invisível.Temos de continuar a crer e a querer. Como muito bem disse José Ary dos Santos:- Isto vai!

Já no meu caso pessoal, a "História" começa a entrar nos derradeiros capítulos. Sei que já não terei outros 52 anos para viver. Mas também penso que tudo o que vivi valeu a pena e que ainda posso igualmente continuar a crer e a querer.

Não respondi individualmente a cada um de vós, porque ontem à noite estive numa Tertúlia em homenagem ao Ary e o meu tempo não chega para tudo, infelizmente.

Agradeço a todos, amigos do coração, as vossas visitas e sempre amorosas palavras e também aos visitantes que por aqui passam no silêncio.

Um abraço longo_____________________*******

25 de Abril Sempre!

Clotilde

João Paulo Proença disse...

Oh Clotilde:

O motivo porque não me consegues comentar não será da verificação da plavra de segurança?

Beijo

João